domingo, 9 de março de 2014

querida moça do Outback,

É engraçado, eu nem sei seu nome. Eu não sei seu nome, mas nossos cinco minutos juntas me fizeram passar tanto tempo pensando em você. Não exatamente em você, e, sim, na situação que passamos.

Talvez você não se lembre de mim - embora seu olhar tímido na hora de cobrar a mesa, tenha me dito que você tinha entendido, sob o meu ponto de vista, o que você tinha feito.

Era quinta-feira. Enquanto meu marido estacionava o carro, eu decidi ir pegar a senha da mesa. Uma colega de trabalho sua me atendeu, e enquanto ela me fazia as perguntas rotineiras sobre quantos lugares eu precisava e onde eu gostaria de sentar, você chegou lá do fundo e disse alguma coisa pra ela. Então você me viu, abriu um sorriso e disse muito animada: "Meu deus, que tatuagem linda!".

Veja bem, até aí tudo bem. Na verdade, um elogio sobre ter um cervo tatuado no peito não é dos comentários mais comuns que eu costumo ouvir, então até aí estava tudo até que muito bem. O problema foi que junto com o elogio, você se viu no direito de baixar a gola da minha blusa. E não foi pouco né? Eu entendo, eu estava de camiseta e só dava pra ver o começo do desenho, você devia estar tão curiosa que, talvez, tenha sido instintivo baixar tanto daquela forma.

Mas me assustou e assustou sua colega. Não é sempre que um completo desconhecido baixa sua roupa, não é mesmo? Sua colega talvez tenha se assustado com a sua euforia e com a minha possível reação. Eu sorri envergonhada e recuei, pois aparentemente não havia pra você problema em manter sua mão em mim, baixando minha gola.

Algo nessa situação me fez pensar muito. Eu não estou chateada com você, na verdade, você é uma moça muito simpática que não deve ter muito controle. Eu entendo, em alguns aspectos, eu também sou assim. O que me fez pensar na relação que o mundo tem com uma pessoa tatuada.

Depois de te conhecer, eu comecei a perceber todas as experiências que eu tive nessa divisão de pessoas que tem tatuagem, das que não tem. Lembrei de uma moça que conheci na faculdade. Ela se apresentou, perguntou meu nome, sentou do meu lado e disse "Que legal você ter tantas tatuagens, me conta sua história", eu não entendi e perguntei "Que história?" e ela "Em geral pessoas que tem tatuagens tem uma boa história de vida, me conta". Eu não sei em qual planeta todos vivemos, eu sei que no meu planeta, eu não conto minha história de vida pra uma pessoa que eu conheci há 2 minutos. Você contaria?

Eu percebi que existem alguns conceitos que flutuam pela nossa sociedade e eles trazem certos comportamentos enraizados. Por exemplo, não é porque eu tenho dezoito tatuagens, que eu quero falar sobre qualquer uma delas.

A tatuagem parece ser reconhecida como uma espécie de passe livre. O não tatuado enxerga aquele sinal como uma abertura, que em geral o tatuado não deu e não tem nenhuma intenção de dar. Esse passe livre faz com que o tatuado ouça em diversas situações, de vários desconhecidos, comentários, perguntas, observações sobre sua pele. Em uma simples fila de uma burocracia qualquer, ele pode ouvir intensas observações sobre o que um desconhecido que ele jamais viu antes, ou tornará a ver, acha sobre seus desenhos.

O curioso, é observar que em geral as pessoas não fazem isso para outras características. Você não anda pelo metrô elogiando a blusa de alguém, dizendo "credo" sobre o cabelo de outra pessoa, ou parando uma terceira pra perguntar se doeu muito fazer aquela progressiva, e questionando o que ela acha sobre você tatuar o nome do seu namorado de 2 meses, no calcanhar.

A pessoa tatuada é como qualquer outro desconhecido que você esbarra. Ela não leva uma luz de neon escrita "Faça uma tatuagem, pergunte-me como". Não é porque ela é tatuada, que você deve presumir em dois segundos que ela é tatuadora. Não é porque ela é tatuada, que ela é mestre nessa arte e sabe te dar as melhores dicas sobre como cobrir aquele golfinho que você fez no cocxix.

E o mais importante: Ela não é diferente de você. Ela não é menos, e nem mais. Ela só é alguém que decidiu exteriorizar, e marcar em si algumas de suas crenças e referências.

Espero que você entenda. Quando receber, me avisa :)

Jessica










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Jessica Rsst, 26 anos, largou cinco anos na publicidade pra ser estudante de psicologia. Desconfia de quem não gosta dos animais e é mãe de seis cachorros. Já teve blog, mas agora gosta mesmo é do Instagram (@jessicarsst).

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