segunda-feira, 14 de setembro de 2015

Querida infecção/virose/seja você o que for


Você é o nada. Nada que os médicos consigam identificar.

Nada que eu consigo botar pra fora depois de horas de náusea. Nada de forças que me restam e só servem pra ir pro hospital ficar horas no soro!

Meu Deus, eu nem lembrava mais da última vez eu que me vi presa a uma maca, tomando uma injeção que fosse.

Você não combina comigo. Aliás, nenhuma doença combina. Ser forçada a ficar quieta, parada, deitada é exasperante.

E na sua gula de passar o rodo na galera, pegou o namorado e o Boss e prostrou eles também! Te segura, faz favor! Tem que sobrar alguém pra cuidar do povo doente.

Fica aí quieta, em mutação, aguardando a próxima estação de surto e, quando receber, não precisa avisar nem por sinal de fumaça.


Falou, 
Bel




quarta-feira, 9 de setembro de 2015

querido processo seletivo,

Neste envelope estão contidas minhas últimas gotas de tinta da impressora, o resto do papel que estava na gaveta, os grampos que eu achei numa caixa no quartinho de bagulhos, um pouco da poeira trazida pelo vento, marcas de gotas de saliva que caíram quando soprei, além do meu resto de juízo pra organizar tudo em ordem cronológica. 

Aliás, esse envelope eu já tinha utilizado em outra ocasião, mas graças ao aperto do armário, ele ficou novo depois de ser imprensaado entre os livros.

Nos impressos, estão os meus dados pessoais. Lá você terá o que pediu: os absursos 13 dígitos do meu RG, CPF, o meu endereço completo, onde eu me formei, onde eu trabalhei, o  que escrevi e uma foto 3x4 que evidencia o meu estrabismo marcante.

Tudo com data, horário, certificação e os carimbos. Quase um quilo de papel e uma dezena de reais para provar que não minto, não omito, não fedo nem cheiro. No que provo para a pessoa do cartório, e apenas para ela, que eu sou eu porque, na melhor das hipóteses, os papéis serão guardados, na pior, queimados.

Ainda bem que os documentos provam que eu sou uma excelente brasileira, que contribuo para alguma coisa na construção do país. Acho que não conseguiria provar isso pessoalmente. Nesse caso, viva o papel!

Se quiser me conhecer melhor, marcamos um chopp. Como sei que não quer, já que as pessoas, os sentimentos, a nossa história não é relevante, ficamos neste envelope.

Quando receber, não precisa avisar porque peguei o rastreador do SEDEX.

Abraços,
Anna C P Diniz

sexta-feira, 4 de setembro de 2015

querido apartamento da R. Dr. Cesário Mota,

Tenho tentado não pensar em você desde julho. Tenho buscado todos os motivos para te odiar. Teus tacos soltos, velhos, sem brilho e desalinhados. Os azulejos que caem na madrugada e a massa vagabunda que ressecou demais. As janelas com respingos de tinta. A descarga de parede que volta e meia insiste em dar defeito.

Mas fico repassando tudo isso, apenas para não ter que admitir para mim mesma que vou morrer de saudades. Para esquecer que é você que ocupa, no meu coração, o espaço sob a nomenclatura de "casa". É o teu cheiro de sujo e guardado _que só consigo perceber quando passo dois dias na casa da Lili_ que me é familiar e aconchegante. 

Já me peguei querendo abraçar as tuas paredes. Já me peguei em um impulso destrutivo de querer sair desmontando tudo e encaixotando todas as minhas coisas sem olhar para trás. Mas sempre respiro fundo e aguardo uns instantes. Instantes em que uma voz dentro de mim diz que essa hora invariavelmente vai chegar. Que no fim do mês a nossa história acaba. Mas que é bom esperar e aproveitar cada minuto de conforto que tu ainda podes me dar.

Não se engane com essas palavras bonitas. Odeio todos os teus defeitos e as assimetrias, especialmente os tacos, confesso. Mas amo tudo que aprendemos e vivemos juntos aqui. Amo você ter sido o primeiro lugar em que descobri meu espaço.

Quando receber, me avisa e me ajuda a segurar essa barra que é voltar pro turbilhão de mudanças. Espero que o próximo morador também elogie a sua sala e goste dos novos ganchos que colocamos no seu banheiro.

Com carinho,
Seane.