domingo, 27 de abril de 2014

querido tatuador,

Eu tive o prazer de conviver com um gogó de sol em câncer e descendência italiana, sabe? Cordas vocais dramáticas, timbre um pouco resfriado, volume exagerado. Irritante, dava vontade de mandar falar mais baixo às vezes. Só que como eu conhecia muito bem, não fazia, uma ruga na testa se formaria, e deus me livre chatear aquele favo de mel. 

Era uma voz também muitíssimo acolhedora, que sempre se introduzia com empolgação e um questionamento se estava tudo bem. Uma voz com uns risinhos de vírgula e alguns ruídos de fingir tentar conter risada. Às vezes esses ruídos vinham logo depois de olhar nos olhos e dialogar por eles, se acabava fazendo "fs" com os dentes nos lábios em uníssono, entende? Em averiguação da mensagem olho-no-olho recebida, compreendida e graça concordada. 

Falando nisso, não existia o "r" igual o meu, de coçar a garrrrganta, o "r" vibrava no dente mesmo, o "s" não chiava e as vogais tinham a tendência da multiplicação, como infestação de crases. E essa voz não sabia cantar exatamente, mas cantarolava sempre que queria. Fazer o quê se o espírito é livre e sem vergonha? A voz acabava soando histérica e de tanta inocência e falta de pudor, linda. Lin-da. Era uma voz que gostava também de pon-tu-ar as sílabas. Era uma voz da dramaturgia da vida real, da verdade que se sente. Era uma voz e tanto.

Então, tatuador, eu queria fazer isso. Porque de tantos símbolos, o que mais ecoa, mas eu tenho muito medo de perder, é a voz dela dentro de mim. E veja bem, olha que beleza, nem precisa se preocupar com o traço, com o preenchimento, se vai ter sombra ou não, se é Old School, New School... Só grava essa voz na minha pele. Tem um berrante na boca da minha saudade e um receio inquietante desse arquivo wav da minha memória ser comprimido a um mp3, e chegar a um midi, e concluir-se em um nada.

Espero resposta quanto ao formato de áudio necessário para gravar na pele, ok?

Quando receber, me avisa.

Laila.


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Laila Razzo, 25, publicitária, leitora, mente curiosa e criativa full time. Escreve sobre comportamento (o dela e dos outros) no Raios e Bombas e se envolve em tudo o que é projeto que envolva agitar e renovar a música maranhense.

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